Psicologia Transpessoal

A Psicologia transpessoal é uma abordagem da Psicologia considerada por Abraham Maslow (1908-1970) como a “Quarta Força da Psicologia”, sendo a primeira força a Psicanálise, seguida da Psicologia comportamental, e a terceira a Psicologia humanista. É uma forma de sincretismo teórico, que abarca conteúdos de muitas escolas psicológicas, como as teorias de Carl G. Jung, Abraham Maslow, Viktor Frankl, Ken Wilber e Stanislav Grof. Surgiu em 1967 junto com Movimentos do Potencial Humano e New Age nos EUA, pelo pensamento de Maslow, que dizia que o ser humano necessitava transcender sua Psique (pessoal), conectando-se ao Todo, ou a outras realidades mais abrangentes (transpessoais).

 

A Psicologia transpessoal tem como objeto o estudo da Consciência e de seus Estados não ordinários e, neste sentido, congrega vários Recursos Técnicos como a Hipnose, a Meditação, o Relaxamento, e (no campo da pesquisa) experiência com alucinógenos (Grof, Huxley), além dos Estados Místicos de Tradições Espirituais. Vários autores como Ken Wilber, e Stanislav Grof, propõem Cartografias da Consciência. A Abordagem Transpessoal tem atraído cientistas de diferentes áreas como na Física Goswami e Rocha Filho, que fazem a conexão entre o conhecimento científico padrão e as observações e proposições transpessoais. No Brasil o estudo dos estados não ordinários de consciência encontraram ressonância no Movimento Espírita, sobretudo no tange à questões da Mediunidade.

 

Como vem acontecendo com relação à Psicologia analítica, também a Psicologia transpessoal tem construído um diálogo produtivo com a Física quântica, especialmente na busca da compreensão dos fenômenos que violam princípios energéticos e temporais próprios da Física clássica, e que são estudados em linhas de pesquisa diferenciadas como Física e Psicologia.

 

Segundo o pesquisador Aurino Lima Ferreira, em seu livro Psicologia Transpessoal: Histórias, Conquistas e Desafios (2016), na história da Psicologia brasileira dois nomes destacam-se como os “pais” da Psicologia transpessoal: o primeiro é o do psicólogo Dr. Pierre Weil, pioneiro na introdução da teoria transpessoal no campo acadêmico. Weil percorreu nas décadas de 80 e 90 várias regiões do país divulgando e anunciando o surgimento dessa nova escola no mundo acadêmico; até a sua morte atuou com contribuição teórica inestimável, bem como montou centros formadores espalhados por todo Brasil e a Universidade Internacional Holística da Paz em Brasília. O segundo é Léo Matos que influenciou intensamente a formação das primeiras gerações de psicoterapeutas transpessoais, além de ter aberto, com seus cursos na Índia, um canal de comunicação com as Psicologias orientais.

 

A abordagem transpessoal vem gradativamente se inserindo no espaço acadêmico formal brasileiro desde os anos 70, inicialmente através do pioneirismo de Pierre Weil e Léo Matos que introduziram a primeira disciplina de Psicologia transpessoal na Universidade Federal de Minas Gerais. De acordo com o levantamento efetuado por Lisboa e Barbosa (2009), temos um total de 37 universidades públicas federais (dentre elas, a UFRN) que oferecem curso de Psicologia, sendo encontrado neste universo de cursos um total de 6 (16,22%) universidades que apresentavam na grade curricular do curso de graduação temáticas envolvendo a Psicologia transpessoal. Não foram levantados dados de universidades e faculdades particulares, o que com certeza elevaria em muito esses números. Os dados coletados sugerem a inserção da Psicologia transpessoal no espaço acadêmico, apontando, portanto, o seu reconhecimento e legitimação na formação inicial dos psicólogos brasileiros. Foram encontrados um total de 9 cursos de especialização que tratam da temática da psicologia transpessoal. Sendo 7 cursos de especialização específicos de psicologia transpessoal.

 

As universidades federais de Pernambuco e da Paraíba apresentam disciplinas nos cursos de especialização que tratam da abordagem transpessoal. Todos os cursos de especialização investigados apresentam os requisitos necessários ao seu funcionamento, sendo todos reconhecidos pelo MEC. Além desses cursos de especialização, há ainda no contexto nacional, agências formadoras que realizam sistematicamente a formação em pós graduação de psicólogos transpessoais, e que mesmo não vinculadas diretamente a uma universidade, são reconhecidas como centros formadores de excelência, tais como a Associação Luso Brasileira de Psicologia Transpessoal (ALUBRAT), a Associação Brasileira de Psicologia Transpessoal (ABPT), a Rede Nordestina de Psicologia Transpessoal, a PHOENIX – Centro de Estudos Transpessoais, o Terra Viva e o Espaço Ser e Transcender. Foram levantados dois programas de pós-graduação que oferecem a disciplina transpessoal para alunos de mestrado e doutorado, além de apresentarem linhas de pesquisa sobre a Psicologia Transpessoal. A UNICAMP foi uma das primeiras universidades brasileiras a oferecer a disciplina de Psicologia transpessoal, disponibilizando em sua biblioteca virtual um acervo de dissertações e teses enfocando a temática transpessoal. A UFPE apresenta um Núcleo de Pesquisa no Programa de Pós-graduação em Educação (PPGE) que oferece uma linha de pesquisa especifica em Psicologia Transpessoal, além de uma disciplina de Psicologia Transpessoal que atende alunos do mestrado e doutorado.

 

A principal crítica à Psicologia Transpessoal decorre de sua proximidade com o universo religioso, sobretudo espírita. Muitos profissionais que se autodeclaram “psicoterapeutas transpessoais”, ou que afirmam ter suas práticas profissionais situadas no campo da Psicologia Transpessoal precisam esclarecer melhor de que modo se dá a interface de suas práticas e teorias com o saber religioso e o conhecimento cientifico.

 

As bases epistêmicas da Psicologia transpessoal se situam nas abordagens Inter e Transdisciplinar estudos mais aprofundados sobre essas bases são requeridos, bem como sobre suas dimensões hermenêuticas. Além disso, o diálogo com a Psicologia da religião, e as Ciências da Religião e Psicologia anomalística podem ser aprofundados.

 

No âmbito da ciência Psicológica as bases epistêmicas da Psicologia transpessoal podem contribuir para ampliar o diálogo da Psicologia, ciência e profissão, com outras racionalidades “médicas” possibilitando que esta Psicologia contribua para a construção de Políticas públicas, como por exemplo a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC).

 

O texto a seguir foi de contribuição e compilado por:

Maria de Fátima Estimado Corga – Psicóloga – CRP 13521/06

 

Não apenas é o homem parte da natureza – e esta é parte sua – como deve ser minimamente isomórfico (semelhante a) com ela para nela ser viável. Ela o gerou. Sua comunhão com aquilo que o transcende não precisa ser definida, portanto, como não-natural ou sobrenatural. Pode ser vista como uma experiência ‘biológica’. – Abraham Maslow

 

O Que é e Como Surgiu a Psicologia Transpessoal

Foi em meados da década de sessenta, durante o rápido desenvolvimento e aceitação dos pressupostos básicos da psicologia humanista, com Maslow e Rogers, que alguns psicólogos e psiquiatras começaram a discutir quais os limites e características a que seria possível chegar o potencial da consciência humana. Muitos pesquisadores achavam que a visão da psique dada pela Psicanálise e pelo Behaviorismo eram, no mínimo, bastante simplificadas e reducionistas, não explicando uma grande gama de fenômenos mentais que escapavam – e muito – do campo de alcance de tais teorias. E a Psiquiatria dava ainda menos clareza sobre uma ampla gama de estados de consciência claramente chocantes e, ao mesmo tempo, fascinantes, que não podiam se restringir unicamente à história orgânico-biográfica de alguns pacientes.

 

A grande maioria dos teóricos da personalidade toma por fundamento básico a consciência em estado de vigília, ou consciência normal, como sendo a única possibilidade saudável de nível de percepção cognitiva. As características básicas desta consciência normal, segundo Fadiman & Frager, é que a pessoa sabe “quem é”, tem perfeita noção de si mesma como uma individualidade, e seu sentido de identidade é estável. Ou seja, a pessoa tem uma ideia clara de ser uma individualidade diferenciada do meio que a cerca.

 

Estudos vários sobre a imagem corporal e do sentido do ego concluem que qualquer desvio desses limites é um grave sintoma psicopatológico. Só que tal conclusão começou a ser seriamente questionada com vários relatos e pesquisas sérias realizadas em várias partes do mundo.

 

Às vezes, experiências correlacionadas com um declínio de uma psicopatologia e com a restauração da saúde psíquica podem muito bem expor experiências subjetivas que ultrapassam e muito os chamados limites normais do ego. William James já o havia notado em fins do século passado. O resultado de muitas destas pesquisas, muitas delas envolvendo psiquiatras e psicólogos famosos, levantou uma séria questão: seria possível que algumas das distinções que mantemos entre nós mesmos e o resto do mundo sejam arbitrárias e/ou culturalmente condicionadas? Talvez a consciência humana seja um vasto campo ou espectro, semelhante ao espectro eletromagnético, onde cada “frequência” expressaria um modo de percepção, muito mais que um conjunto firme de traços ou características rigidamente definidas de expressão, já que em certas experiências – algumas delas envolvendo psicodélicos ou drogas psicoativas – a consciência do sujeito parece abranger elementos que não têm nenhuma continuidade com sua identidade do ego usual e que não podem ser considerados simples derivativos de suas experiências no mundo convencional.

 

Vejamos esta descrição, feita por Stanislav Grof, de experiências correlacionadas com o declínio de uma patologia de Fadiman & Frager, 1986, página 168):

“No estado de consciência ‘normal’ ou usual, o indivíduo se experimenta existindo dentro dos limites de seu corpo físico (a imagem corporal), e sua percepção do meio ambiente é restringida pela extensão, fisicamente determinada, de seus órgãos de percepção externa; tanto a percepção interna quanto à percepção do meio ambiente estão confinadas dentro dos limites do espaço e do tempo (numa aceitação cultural das premissas do paradigma cartesiano, próprio da visão de mundo ocidental nos últimos 300 anos). Em experiências psicodélicas (área explorada por Grof em fins dos anos 50, na Tchecoslováquia, e nos anos 60 nos EUA) de cunho transpessoais, uma ou várias destas limitações parecem ser transcendidas (este fenômeno também se encontra, de modo esporádico, nas várias terapias psicológicas, tendo recebido nomes como “Experiências Oceânicas” em Freud, “Experiências Culminantes” em Maslow, “Consciência Cósmica”, em Weil, “Experiência Mística”, etc). Em alguns casos, o sujeito experiência um afrouxamento de seus limites usuais de ego e sua consciência e autopercepção parecem expandir-se para incluir e abranger outros indivíduos e elementos do mundo externo. Em outros casos, ele continua experienciando sua própria identidade, mas numa percepção de tempo diferente, num lugar diferente ou em um diferente contexto. Ainda em outros casos, o indivíduo pode experienciar uma completa perda de sua própria identidade egóica e uma total identificação com a consciência de uma ‘outra’ entidade. Finalmente (em similaridade com o que experiência o místico), numa categoria bastante ampla destas experiências psicodélicas transpessoais (experiências arquetípicas, união com Deus, etc.), a consciência do sujeito parece abranger elementos que não têm nenhuma continuidade com a sua identidade de ego usual e que não podem ser considerados simples derivativos de suas experiências do mundo tridimensional”.

 

São, pois, estas experiências culminantes que são o foco central da Psicologia Transpessoal.

 

Muitos renomados psicólogos humanísticos e alguns psiquiatras insatisfeitos com a abordagem excessivamente mecanicista e biomédica de sua disciplina mostraram crescente interesse por áreas de estudo antes negligenciadas, e por tópicos de psicologia próximas a estes estados-alterados de consciência, como, por exemplo, as experiências místicas, ou de consciência de transe.

 

As tendências isoladas começaram a se unir graças aos trabalhos de Abraham Maslow e Anthony Sutich, o que acabou por consolidar a chamada Quarta Força em Psicologia (esta classificação é feita com base em características próprias de cada escola, não pelo contexto histórico. Assim, a Primeira seria o Behaviorismo, a Segunda a Psicanálise e a Terceira o Humanismo). Foi assim que nasceu a Psicologia Transpessoal, como disciplina autônoma, no final dos anos sessenta, mas as tendências desse movimento já existiam há muito tempo. Por exemplo, Carl Gustav Jung, Roberto Assagioli e o próprio Maslow já haviam lançado as bases para o movimento transpessoal (Grof, 1988). Outros psicólogos, como Carl Rogers, acabaram, na evolução de seu trabalho e de sua prática clínica, por se encontrarem com dimensões transcendentes trazidos à tona por clientes e grupos terapêuticos.

 

Carl Gustav Jung pode ser considerado o mentor máximo e o primeiro psicólogo transpessoal. As diferenças entre a Psicanálise Freudiana e as teorias de Jung são muito bem representativas das diferenças entre uma psicoterapia mecanicista e biomédica e uma mais humana e holística. Ainda que Freud e muitos dos seus discípulos tenham ido muito a fundo nas suas revisões da psicologia ocidental, atingindo os limites do paradigma cartesiano em Psicologia, apenas Jung questionou radicalmente seus fundamentos filosóficos: a visão de mundo de Descartes e Newton. Jung salientou, de modo convincente, aspectos não racionais e não lineares da psique, que inclui o misterioso, o criativo e o espiritual como meios válidos, ou formas holísticas-intuitivas de conhecimento.

 

Jung via a psique como uma interação complementar entre elementos conscientes e inconscientes, com uma constante troca de informação e fluidez entre ambos. O inconsciente não seria um mero depósito psicobiológico de tendências instintivas reprimidas. Ele seria um princípio ativo inteligente, que, em seu estrato mais profundo, ligaria o indivíduo a toda a humanidade, à natureza e ao cosmos. Ele não seria governado apenas pelo determinismo histórico, como postulado por Freud, mas também por uma ânsia evolutiva com uma função projetiva e teleológica.

 

Estudando a dinâmica do inconsciente, Jung descobriu as unidades funcionais que chamou de complexos e, como tais, foram adotadas por Freud. Os complexos são constelações de elementos psíquicos – ideias, opiniões, atitudes e convicções – associados com sensações diversas e que se juntam ao redor de um tema nuclear. Partindo de áreas biograficamente determinadas do inconsciente, Jung chegou aos padrões de criação dos mitos, lendas e símbolos universais, aos quais ele deu o nome de arquétipos e que expressam, de forma simbólica, conteúdos psíquicos de significação emocional universal, como o processo de maturação psíquica e outros.

 

Jung não acreditava que o ser humano fosse uma mera máquina biológica. O conceito de máquina é extremamente antropomórfico para ser um conceito natural. Além disso, ele reconhecia que o processo de maturação psíquica pode, em certos casos, transcender e muito os estreitos limites do ego e do inconsciente individual. Por isso ele é considerado o primeiro representante da orientação transpessoal em psicologia. Pela sutil e cuidadosa análise de seus próprios sonhos, tal como antes fizera Freud, bem como dos sonhos de seus pacientes e dos delírios de pacientes psicóticos, Jung descobriu que os sonhos têm, algumas vezes, imagens e motivos que se repetem e que podem ser encontrados não só nas diversas partes do mundo, como também em deferentes períodos da história. Assim, ele chegou à conclusão de que, além do inconsciente individual, há um inconsciente coletivo ou racial, comum a toda a humanidade, manifestação da criatividade universal. As únicas fontes de informação sobre os aspectos coletivos do inconsciente seriam o estudo das religiões comparadas e da mitologia universal. Para Freud, os mitos podem ser interpretados em termos de problemas e conflitos característicos da infância e sua universalidade reflete o conjunto da experiência humana compartilhada culturalmente. Jung rejeitou tal explicação reducionista. Ele havia observado que os enredos mitológicos universais ocorriam em indivíduos que não tinham, de maneira alguma, qualquer conhecimento deles. Isso lhe sugeriu que haveria elementos estruturais formadores de mitos na psique inconsciente. Tais elementos originariam tanto a fantasia viva e os sonhos pessoais quanto à mitologia dos povos. Assim, os sonhos podem ser encarados como mitos individuais e os mitos, como sonhos coletivos. De qualquer modo, estas matrizes primárias são como a expressão instintual do potencial psíquico que cada indivíduo terá de, em seu crescimento, desenvolver.

 

Freud sempre demonstrou durante toda a sua vida um apaixonante interesse por religião e espiritualidade, mas como expressão de recalques do desenvolvimento psicossexual do homem expresso na forma da cultura religiosa. Ele acreditava que era possível uma compreensão do processo irracional conflitivo, que viria das fases do desenvolvimento psicossexual, responsável pelo surgimento da religião. Jung, ao contrário, dispunha-se a aceitar o irracional e o paradoxal como válidos em si mesmos. Ele estava convicto da realidade da dimensão espiritual no esquema universal das coisas. Sua suposição básica era que o elemento espiritual é uma parte orgânica integral da psique. A verdadeira espiritualidade, ou a sua busca, é um aspecto pulsional do inconsciente coletivo, independente do condicionamento da infância e da vida do indivíduo, do ponto de vista cultural e educacional. Assim, se a análise e a auto exploração alcançam suficiente profundidade, os elementos espirituais emergem espontaneamente na consciência. A maior contribuição de Jung para a psicoterapia é seu reconhecimento das dimensões espirituais da psique e suas descobertas nos campos transpessoais.

 

O que faz de Jung um gênio na psicologia moderna é sua ampla visão, que vai bem além de sua época, e o seu método científico. O enfoque de Freud era estritamente histórico e determinístico, bem ao gosto do paradigma cartesiano-newtonino; ele se interessava em encontrar explicações lineares-racionais para todos os fenômenos psíquicos, seguindo uma gênese histórico-biográfica. Jung estava convencido de que a causalidade linear não era o único princípio mandatário na natureza. Ele criou um termo, sincronicidade, para designar um princípio de ligação entre eventos de forma NÃO-causal, o que explicaria as chamadas coincidências significativas de eventos separados no tempo e/ou no espaço. Também se interessava intensamente pelo desenvolvimento da Física Moderna e mantinha estreito contato com seus representantes mais proeminentes. Foi Einstein que, durante um encontro pessoal, encorajou Jung a perseguir o conceito de sincronicidade, e Wolfgang Pauli, um dos fundadores da teoria quântica, publicou um ensaio conjunto com Jung sobre sincronicidade, bem como escreveu um estudo sobre os arquétipos na obra do físico Johannes Kepler. Não deixa de ser tremendamente irônico o fato de que, embora Freud se orgulhasse de a Psicanálise ser atrelada ao mecanicismo newtoniano e de que os psicanalistas serem “mecanicistas incorrigíveis”, ter sido a psicologia “esotérica” de Jung a que tenha exercido maior impacto entre os gênios da ciência moderna.

 

Mas o que tem a ver Física e Psicologia? Bem, os Físicos modernos têm muito a dizer sobre a importância da consciência na definição do que seja realidade. Eles, juntamente com os místicos genuínos, parecem estar cada vez mais próximos uns dos outros em suas tentativas para descrever o que seja o universo (ver os excelentes livros de Fritjof Capra e de Lawrence Leshan). Os resultados das experiências transpessoais sugerem que a natureza da gênese da consciência podem ser mais realisticamente descritas por místicos e físicos modernos do que pela mais estável e aceita linha psicológica acadêmica.

 

Muitos autores (Abraham Maslow, Pierre Weil, Stanislav Grof, Ken Wilber, Walsh, Vaughan entre outros) oferecem a evidência de que os assim chamados “estados alterados” são não só naturais, como também são necessários para o bem-estar e a saúde do indivíduo, após atingir um certo grau de desenvolvimento cognitivo e ter atendido as necessidades básicas mais urgentes. Maslow acredita que, a menos que tenhamos oportunidade de mudarmos nosso estado de consciência, podem se desenvolver sintomas emocionais graves se impedirmos o afloramento dos níveis transcendentes da personalidade. Da mesma forma como existe uma pulsão para a experiência sexual, também parece haver uma pulsão para o desenvolvimento de níveis de percepção.

 

Roberto Assagioli

Outro autor de importância para o desenvolvimento da Psicologia Transpessoal é Roberto Assagioli. Ele é o criador da psicossíntese, que é um tipo de resposta ao método fragmentar da psicanálise, onde está claro a responsabilidade do indivíduo no processo do próprio crescimento, que é um impulso constante em todos as pessoas, apesar de relativamente tênue, embora poucas se deem à chance de se desenvolverem plenamente.

 

A cartografia de Assagioli sobre a personalidade humana tem muito em comum com o modelo junguiano da psique, uma vez que inclui os campos espirituais e os elementos coletivos da psique. Ele se constitui de sete constituintes dinâmicos: o inconsciente inferior orienta as atividades psicológicas básicas, como as pulsões sexuais e os complexos emocionais. O inconsciente médio seria algo como o subconsciente. O campo superconsciente é o local dos sentimentos e aptidões superiores, onde se localizam a intuição e a inspiração. O campo da consciência inclui os pensamentos e sentimentos analisáveis. O ponto central da psique é o self. Todos esses componentes são anexados ao inconsciente coletivo.

 

O processo terapêutico fundamental da psicossíntese envolve quatro estágios consecutivos. Primeiro, o cliente toma conhecimento dos vários elementos (didaticamente falando) de sua personalidade, o que inclui seu ego ideal e o seu ego real, com todos os defeitos que a pessoa gostaria de suprimir. Depois que estiver bem familiarizado com eles, ele terá que começar a se desidentificar com esses elementos (conhecer-se a si mesmo e perceber que suas várias características são apenas características, não o fundamento do ser, ou self). Depois que a pessoa descobre seu centro psicológico unificador, é possível a realização total da psicossíntese, caracterizada pela culminância do processo de auto-realização pela integração dos componentes da personalidade à volta do novo centro, o self.

 

Abraham Maslow

Foi Abraham Maslow quem primeiro formulou, explicitamente, os princípios da psicologia transpessoal como uma abordagem diferenciada. Uma de suas mais importantes contribuições é seu estudo sobre pessoas que vivenciaram, espontaneamente, as chamadas experiências místicas de “pico”. Na psicoterapia tradicional, experiências místicas de qualquer tipo são sempre taxadas como sérias psicopatologias. Em seu muito bem-feito estudo, Maslow demonstrou que as pessoas que tiveram experiências espontâneas de “pico” beneficiavam-se delas e mostravam uma claríssima tendência para a auto-realização, que é o objetivo da psicoterapia humanística. Ele julgou estas experiências como supernormais em vez de subnormais. A partir desse fato, ele erigiu os fundamentos da nova psicologia.

 

Um outro aspecto importante do trabalho de Maslow é a análise das necessidades humanas e sua revisão geral da teoria dos instintos. Ele descobriu que as maiores necessidades representam um aspecto importante e autêntico das estrutura da personalidade humana e não pode ser reduzido a uma mera derivação de instintos básicos (a idéia de instinto sugere uma busca da ligação do comportamento humano dentro das diretrizes da ciência mecanicista convencional). Segundo ele, as maiores necessidades têm um papel importante na doença e na saúde mental. Valores superiores (metavalores) e os impulsos para alcançá-los (meta motivações) são intrínsecos à natureza humana, possuindo uma fundamentação tão biológica quanto à pulsão sexual, por exemplo.

 

Eis as palavras de Maslow anunciando o desenvolvimento da Psicologia Transpessoal (Maslow, 1968, página 12):

“Devo também dizer que considero a Psicologia Humanística, ou Terceira Força em Psicologia, apenas transitória, uma preparação para uma Quarta Força ainda “mais elevada”, transpessoal, transumana, centrada mais na ecologia universal do que nas necessidades interesses restritos ao ego, indo além da identidade, da individuação e congêneres… Necessitamos de algo “maior do que somos”, que seja respeitado por nós mesmos e a que nos entreguemos num novo sentido, naturalista, empírico, não-eclesiástico, talvez como Thoreau e Whitman, William James e John Dewey fizeram”.

 

Carl Rogers

Apesar de não ser incluído, pela maioria dos autores, como um psicólogo transpessoal, mas como um dos mais significativos psicólogos humanistas, não escapou a Carl Rogers as chamadas dimensões transcendentes ou espirituais que frequentemente emergiam no contexto terapêutico, especialmente em termos de Terapia de Grupo, na qual Rogers foi grande pioneiro. E foi exatamente a partir do revolucionário trabalho com Grandes Grupos e em Workshorps, na última fase de sua formulação teórica, que a temática transpessoal começa a se delinear nos escritos do criador da Abordagem Centrada na Pessoa, e nos escritos de seus principais colaboradores. John K. Wood, por exemplo, escreveu o seguinte comentário (Rogers, 1983b) sobre as ocorrências transpessoais que costumam ocorrer em Grandes Grupos: Frequentemente as pessoas compartilham e falam de sonhos sem interpretação ou comentário. Sonhos comuns muitas vezes ocorrem. Algumas pessoas reportam “experiências místicas” (…). As mesmas ideias e mitos [imagens arquetípicas] frequentemente emergem de várias pessoas ao mesmo tempo. (Rogers, 1983b, p. 34).

 

O próprio Rogers se refere muitas vezes em suas últimas obras às percepções transpessoais e fenômenos congêneres de estados sutis de consciência, e estabelece que estes são eventos observáveis e inerentes ao trabalho bem sucedido com Grandes Grupos e Workshops: O outro aspecto importante do processo de formação de [Grandes Grupos] com que tenho tido contato é a sua transcendência e espiritualidade. Há alguns anos eu jamais empregaria estas palavras. Mas a estrema sabedoria do grupo, a presença de uma comunicação profunda quase telepática, a sensação de que existe “algo mais”, parecem exigir tais termos (Rogers, 1983a, p. 62).

 

Tenho a certeza de que este tipo de fenômeno transcendente às vezes é vivido em alguns grupos com que tenho trabalhado, provocando mudanças na vida de alguns participantes. Um deles colocou de forma eloquente: “Acho que vivi uma experiência espiritual profunda, senti que havia uma comunhão espiritual no grupo. Respiramos juntos, sentimos juntos, e até falamos uns pelos outros. Senti o poder de força vital que anima cada um de nós, não importa o que isso seja. Senti sua presença sem as barreiras usuais do ‘eu’ e do ‘você’ – foi como uma experiência de meditação, quando me sinto como um centro de consciência, como parte de uma consciência mais ampla, universal. (Rogers, 1983a, pp. 47-48).

 

De certa forma, Rogers parecia estar indicando que a ACP por ele elaborada, junto com seus colaboradores, estaria se desenvolvendo a ponto de incluir as dimensões transpessoais em seu arcabouço teórico, mas a sua morte o impediu de levar adiante seus insights: Tenho a certeza de que nossas experiências terapêuticas e grupais lidam com o transcendente, o indescritível, o espiritual. Sou levado a crer que eu, como muitos outros, tenho subestimado a importância da dimensão espiritual ou mística (Rogers, 1983a, p. 53).

 

Características de uma nova Psicologia

A nova psicologia que surge, apoiada numa concepção holística e sistêmica, considera o organismo humano como um todo integrado que envolve padrões físicos, mentais, sociais e espirituais. Assim, a base conceitual da Psicologia dever ser compatível tanto com a da Biologia quanto da Sociologia, Antropologia e Filosofia. No modelo acadêmico moderno, a estrutura voltada à especialização do conhecimento tornou muito difícil a comunicação entre as disciplinas, e entre biólogos e psicólogos o entendimento era muito sofrido. E pior era a comunicação, cheia de medos e ressentimentos, entre psicólogos e médicos. Mas a abordagem sistêmica fornece um terreno propício para a compreensão das manifestações psicossomática do organismo na saúde e na doença, permitindo um intercâmbio, desde que se queira, entre biomédicos e psicólogos.

 

O foco central da psicologia está tendendo a se transferir das estruturas psicológicas para os processos relacionais subjacentes. A psique humana é vista como um sistema dinâmico que envolve uma variedade de fenômenos ligados à auto atualização e crescimento contínuos. Assim, a psique teria um tipo de inteligência intrínseca que a habilita a envolver-se a tal ponto com o meio, que este processo pode levar não só a uma doença, mas também ao processo de cura e crescimento, como a concepção de autotranscendência da teoria dos sistemas a verdadeira transrrealização.

 

O Espectro da Consciência

Um dos sistemas didáticos, em psicologia, que procura integrar os diferentes insights das várias escolas psicoterapêuticas do ocidente entre si, e estas com as várias abordagens orientais, é a Psicologia do Espectro, proposta por Ken Wilber, como um modelo da compreensão transpessoal das diferenças entre psicoterapias. Nele, cada uma das diferentes escolas é vista como uma faixa que se dedica a um aspecto específico do total a que se pode apresentar a consciência humana. Cada uma dessas escolas aponta para um estado de consciência que se caracteriza por possuir um diferente senso de identidade, indo da pequena identidade restrita ao ego até à suprema identidade com todo o universo, que é o nível extremo da consciência transpessoal. Este espectro pode ser entendido a partir de quatro níveis: o do ego, o biossocial, o existencial e o transpessoal. No nível do ego, a pessoa não se identifica, a rigor, com o seu organismo, mas com uma representação mental, ou com um conceito do mesmo, como uma auto-imagem construída, ou egóica. É, pois, um problema de identificação com um modelo que a pessoa aceita, num investimento, como sendo seu “eu”. Existe – para ela – um “eu” que é diferente e independente de tudo e de todos. A pessoa não se interessa muito em cultivar relações interpessoas sem que haja uma vantagem específica para o ego, e muito menos se preocupa com aspectos ecológicos ou sociais.

 

O nível biossocial já envolve a consciência e a preocupação com o nível e com os aspectos do ambiente social da pessoa. A influência preponderante é a de padrões culturais e sociais. A pessoa sente como fazendo parte – e tendo alguma responsabilidade – pelo seu meio-ambiente social e natural.

 

O Nível existencial é o nível do organismo total, caracterizado por um senso de identidade corpo/mente auto organizador. É o nível dos ideais humanistas e do pensamento mais sofisticado, em termos de filosofia de vida. Emoção e razão estão mais ou menos associadas para o crescimento e o desenvolvimento das potencialidades do homem, desde que os meios sejam razoavelmente propícios. Quando não, ainda assim a pessoa luta para se auto atualizar e a ajudar seus semelhantes. Alto grau de desenvolvimento moral é frequentemente associado a este estágio.

 

O nível transpessoal é o nível da expansão da consciência para além das fronteiras do ego, correspondendo a um senso de identidade mais amplo. Elas podem envolver percepções do meio ambiente, onde tudo está, de uma forma sutil, mas muito presente, ligado – de forma NÃO LINEAR – a tudo. É o nível do inconsciente coletivo e dos fenômenos que lhe estão associados, tal como descritos por Jung e seguidores. É também neste nível de percepção que podem – mas não necessariamente ocorrem ou são regra geral próprias de uma percepção transpessoal – surgir, como eventos secundários, certos fenômenos parapsicológicos, como telepatia, precognição ou – o que não tipifica um fenômeno parapsicológico, mas sim psicológico – lembranças de vidas passadas. É uma forma extremamente sofisticada e não ordinária de consciência em que a pessoa não aceita mais a crença uma separação rígida entre ela e todo o universo, a não ser como uma forma de atuar praticamente sobre o meio em que vive com outras pessoas. Essa forma de consciência transcende,e muito, o raciocínio lógico convencional, e aproxima-se das assim chamadas experiências místicas. E é este estado que é objeto mais íntimo de estudo da Psicologia Transpessoal.

 

Enfim, para terminar, é preciso definir o relacionamento entre a prática da psicologia transpessoal e os enfoques tradicionais de psicoterapia. O que caracteriza um terapeuta transpessoal não é o seu conteúdo, mas o contexto. O conteúdo é determinado pela relação terapêutica em si, entre cliente e terapeuta, como bem o estabeleceu Carl Rogers. Um terapeuta transpessoal lida com os problemas que emergem durante o processo terapêutico, incluindo acontecimentos mundanos, fatos biográficos e problemas existenciais. O que realmente define a orientação transpessoal é um modelo da psique humana que reconhece a importância das dimensões espirituais e o potencial para a evolução da consciência. O terapeuta transpessoal deve ser consciente do espectro total e deve sempre acompanhar o cliente a novos campos experiências, quando há oportunidade, não importando qual o nível que o processo terapêutico esteja focalizando.